Quero convidar você a parar alguns minutos e refletir sobre um tema que vem ganhando, aos poucos, espaço na arena pública: o etarismo, um preconceito que afeta diferentes faixas etárias, mas que, neste artigo, estará focado nas pessoas com mais de 50 anos. Antes de prosseguir, acho importante lembrar que o etarismo está sob o guarda-chuva da diversidade social, juntamente com questões de gênero, raça, etnia e religião, entre outras. No entanto, ele, diferentemente das demais, não é tão falado. Por isso começar a tirar esse problema debaixo do tapete já tem sido um grande avanço para o Brasil. Um país que está envelhecendo de maneira acelerada. Você sabia que a cada 21 segundos, um brasileiro completa 50 anos? E que o público maduro, ou a economia prateada – expressão que tem sido amplamente adotada – movimenta mais de R$ 1,6 trilhão por ano? É isso, o etarismo está aí, latente, enraizado nas estruturas de nossa sociedade, colocando à prova a sua capacidade para enfrentar essa realidade.
Enquanto escrevo esse artigo, muitas situações me vêm à mente. Situações que vivi, presenciei e até mesmo provoquei, quando mais jovem. Temos falado desse tema com mais frequência, sim, é verdade. Mas estamos encarando o problema de frente? Será que de fato as ações empreendidas estão sendo suficientes para solucionar essa questão urgente e importante? Tenho 57 anos e falo de cadeira. Não só pela idade, mas também pelo trabalho que exerço. Sou orientadora de pessoas e organizações que estão em fase de transição e conheço as dores dos profissionais 50+, além de ter a visão corporativa sobre o tema. Não pretendo tratar aqui todos os aspectos associados ao problema – são inúmeros –, mas sim falar, especificamente, a partir da ótica da empregabilidade.
Longevidade de vida, mas não de carreira
A longevidade é um fato incontestável. O brasileiro está envelhecendo mais e tendo menos filhos. Somente para contextualizar, em 1950, a expectativa de vida do brasileiro era 50,9 anos de idade, 30 anos depois, em 1980, passou para 62,5 anos e, em 2020, saltou para 76,8 anos. A tendência é que, em algumas décadas, a pirâmide etária se inverta. Apesar desse fato incontestável, a invisibilidade desse público no mercado de trabalho é flagrante. Confira, o quadro, a seguir, sobre a empregabilidade ao longo da vida.
Um exemplo recente, que aconteceu com uma de minhas clientes, retrata bem essa realidade. Aos 53 anos, ocupando um cargo executivo há mais de uma década, ela foi demitida em plena pandemia, assim como muitos profissionais. Fui procurada por ela, com o objetivo de desenvolver uma estratégia para a sua recolocação no mercado de trabalho. Você consegue imaginar o cenário promissor que se desenhou para ela? Mulher, com cargo executivo, nessa faixa etária…
Sabe quantas vezes ela foi chamada para uma entrevista de trabalho em um ano e meio? Nenhuma, embora sua qualificação fosse excepcional. Quando ela percebeu que isso seria um ritual permanente em sua vida – mandar currículo e um aguardar sem fim –, e que a sua subsistência estava começando a ser afetada, ela partiu para a carreira solo. Montou a sua eu-empresa e encontrou um caminho próprio para conferir longevidade à sua trajetória profissional e autonomia financeira, com satisfação e autorrealização.
E é justamente isso que o público 50+ quer: se manter em atividade, ser notado e ter espaço garantido no mercado de trabalho. Aliás, esse é um tipo de profissional valiosíssimo:
- Já passou por uma série de mudanças tecnológicas, econômicas e sociais.
- Tem flexibilidade e inteligência emocional aguçadas.
- Possui um acervo de conhecimento e experiência de alto nível.
- O conjunto de experiências vividas o capacita na tomada de decisões complexas.
- Tem maturidade e resiliência para enfrentar as adversidades.
Mas, afinal, quem alimenta essa cadeia?
O etarismo é tão velado que, muitas vezes, o autor nem percebe que está sendo preconceituoso. Pergunte a si mesmo: alguma vez você rejeitou um currículo por conta da idade do candidato? Ou, pensou: fulano já está velho, chegou a hora de se aposentar? E o mais incrível é que, muitas vezes, essa cadeia é nutrida, justamente, por um profissional 50+. Eis um dos grandes paradoxos dessa questão.
E como resolver esse problema? Algumas empresas começaram a desenvolver programas específicos para esse público. Além disso, organizações estão sendo criadas para o fomento da empregabilidade do profissional dessa faixa etária. Todas essas iniciativas são louváveis.
Mas ainda é pouco. Em geral, a prática não é tão virtuosa quanto aparenta. A grande parte dos programas corporativos oferece vagas inferiores à qualificação do profissional. Outros até consideram que se trata de alguém experiente, mas a remuneração é inversamente proporcional à sua capacidade. Esse tratamento sempre me faz lembrar do filme Um Senhor Estagiário, de 2015, onde Robert de Niro interpreta Ben Whitaker, um homem de 70 anos, superqualificado, que aceita um emprego de estagiário apenas para se manter ativo. Aqui, temos uma questão-chave: “manter-se ativo!” – porque posso e tenho conhecimento para isso; e, na maioria dos casos, porque preciso ser e estar ativo financeiramente. Responda sinceramente: você conseguiria manter seu padrão de vida atual exclusivamente com a sua aposentadoria?
Uma questão de matemática
Lembra quando estávamos na escola e a professora de Matemática propunha problemas, para resolvermos? Veja se consegue solucionar esse.
- A população madura é responsável por um movimento financeiro bastante considerável na economia do país. Porém, as oportunidades de trabalho para esse grupo estão cada vez mais escassas. Somando-se a isso, a expectativa de vida vem aumentando e a população envelhecendo. Como fazer para que essa população continue a impulsionar a economia nacional, nos próximos anos?
Outro fator a ser ressaltado é que muitas das pessoas que estão com mais de 50 anos têm filhos em idade escolar e/ou universitária, pois a paternidade/maternidade aconteceu depois dos 35-40 anos. Outros, embora já tenham netos, são responsáveis por ajudar financeiramente, ou até mesmo manter, a família de seus filhos, além de ter que dar conta de seus gastos pessoais, com saúde, alimentação e moradia, entre outros. Com isso, precisam complementar a sua renda, já que a aposentadoria, ou outro benefício, não é suficiente para o seu sustento. Há também aqueles que buscam trabalho, simplesmente, para continuarem ativos e participantes socialmente.
Tenho visto debates intensos sobre como “vender” para essa população, criando produtos e serviços focados nesse público. Claro que isso também é importante. Mas, infelizmente, em geral, a discussão está muito mais relacionada a sobre como abocanhar um pouco dessa fatia do mercado, do que realmente a atender às suas necessidades. A verdade é que essas mesmas empresas que criam ofertas para os maduros e idosos deveriam estar preocupadas em oferecer empregos e oportunidades para mantê-los economicamente ativos, de maneira longeva. Tem de ser uma relação ganha-ganha, se não a equação não fecha.
No entanto, é importante destacar que, para se manter competitivo profissionalmente, na longevidade, é preciso se manter atualizado e bem-informado sobre os movimentos que estão ocorrendo no mundo. Afinal de contas, aprender é para sempre.
Vamos falar mais sobre isso?
Procure fomentar a discussão sobre esse tema entre seus colegas de trabalho, amigos e familiares. Reflita sobre a sua postura diante de profissionais que estão vivendo essa fase da vida: a envelhescência. Ou, como adoro falar, a fase da adolescência madura. A idade não é fator limitante. Isso está apenas na nossa cabeça. E tente responder: Como você pretende encarar a sua velhice?
Eu estou totalmente aberta a esse debate e à disposição daqueles que queiram trocar ideias sobre como ter longevidade na carreira e autonomia financeira.
“Eu comparo essa longevidade como um presente que nos está sendo dado. Você pode aproveitar esse presente ou desperdiçá-lo.” Faço minhas as palavras de Alexandre Kalache, médico gerontólogo e presidente do International Longevity Center-Brazil, extraídas do documentário Envelhescência, dirigido por Gabriel Martinez. Embora seja de 2015, o filme é atualíssimo e retrata a vida de seis pessoas com mais de 60 anos que vivem de maneira plena, além de contar com depoimentos de especialistas no assunto. Se não tiver tempo de assisti-lo, veja ao menos o trailer. Emocionante, profundo e necessário.